Decathlon muda de estratégia e abre loja na Avenida Paulista.

Conhecida pelas lojas grandes em pontos periféricos das cidades, a empresa começa a se dirigir para regiões mais centrais das grandes cidades brasileiras.

No começo da tarde da última terça-feira de julho, o cenário no Morumbi era de crianças andando de bicicleta em meio a barracas de camping. Quinze metros adiante, outras brincavam de bola e patinete. O playground em questão não está nem em um parque nem em um condomínio de luxo. A brincadeira ocorre nos corredores da Decathlon. Maior varejista de artigos esportivos do mundo, a companhia francesa ocupa, desde sua chegada ao Brasil, em 2001, um galpão de 3.300 metros quadrados, próximo à Marginal Pinheiros, em que vale testar qualquer produto antes de comprar. O espaço simboliza a estratégia que guiou o crescimento global da companhia desde a sua criação, em 1976. É amplo, o que permite exibir todos os seus 7 mil artigos de forma permanente, e afastado do centro, onde o metro quadrado é mais barato.

Esse modelo de negócio, no entanto, está mudando. Não que a empresa não queira mais ser referência em materiais esportivos ou espaço de testes e entretenimento. Pelo contrário. Esse é seu norte. Mas, em vez de imóveis em regiões periféricas, a Decathlon quer estar cada vez mais presente no centro das cidades. O maior símbolo dessa transformação, em território brasileiro, começou a ser erguido em agosto. A empresa está construindo uma loja de 2.500 metros quadrados no endereço mais conhecido de São Paulo, a Avenida Paulista. A via é uma das de mais fácil acesso na capital. Trinta e seis linhas de ônibus e três linhas de metrô passam por lá. A região abriga mais de 3 mil empresas, cinco shoppings, uma dezena de centros culturais, faculdades, consulados… Todos os dias, 1,5 milhão de pessoas frequentam a avenida. É uma realidade bem diferente da que cerca a unidade da Decathlon no Morumbi, onde a estação de trem mais próxima está a 2 km.

As outras três unidades da empresa na cidade – a da Rodovia Raposo Tavares, a do Shopping Lar Center e a próxima ao Parque Villa Lobos – também estão fora da área central. Em uma cidade em que congestionamentos são a regra, a chance de a viagem ser caótica para os motoristas é grande. Isso é óbvio. Mas agora, na nova estratégia da companhia, ignorar esse fato em prol de uma operação de baixo custo deixou de ser uma opção. “Percebemos, nos últimos anos, que entregar conveniência ao cliente tinha que se tornar uma de nossas prioridades”, diz o presidente da Decathlon no Brasil, Cedric Burel. “Precisamos estar perto das pessoas.”

Ir para as regiões urbanas mais densas é hoje uma estratégia global da companhia francesa. Na Europa, a empresa já tem unidades em áreas nobres das principais capitais europeias, como a Decathlon do Boulevard da Madeleine, em frente à Ópera Nacional de Paris, um ponto turístico da cidade. No Brasil, isso se só se tornou possível agora, depois que a empresa teve seu primeiro lucro, em 2016. Sim, por mais de 15 anos seguidos, a companhia só teve prejuízo. Seria o suficiente para qualquer estrangeiro desistir do Brasil. Mas na Decathlon é diferente. A família Mulliez, que detém a companhia de artigos esportivos, os supermercados Aunchan (segunda maior rede da França) e a empresa de materiais de construção Leroy Merlin, é conhecida pela gestão de longo prazo. Não lhes falta paciência. No Reino Unido, por exemplo, a Decathlon alcançou seu primeiro lucro depois de dez anos de operação, em 2011.

No Brasil, a favor da companhia, hoje, está o desaquecimento do mercado imobiliário brasileiro. Só entre 2015 e 2016, por exemplo, o preço do metro quadrado de imóveis comerciais para locação caiu 13,10% em São Paulo, segundo o Índice FipeZAP Comercial. Principalmente para quem gosta de lojas grandes e está em momento de expansão, como a Decathlon, é um momento interessante. A empresa, que tem 21 lojas no país, planeja chegar a cem em dez anos.

Fator Cedric

O resultado positivo da companhia no Brasil coincide com o retorno do francês Cedric Burel à subsidiária brasileira, há três anos. Dos 18 anos que o executivo tem de Decathlon, os sete primeiros foram no Brasil, onde começou como gerente de exportação, e os oito seguintes foram na França. Um perfil ideal para entender o mercado local e, ao mesmo tempo, atender aos franceses. Burel contribuiu para tirar a companhia do marasmo. Quando voltou, em 2014, assumiu o cargo de diretor de operação de varejo da Decathlon no Brasil e, em dois anos, foi alçado ao posto de presidente da empresa no país, em substituição ao francês Dominique Thomas. Burel passou a concentrar todos os esforços do negócio em produtos voltados para quem realmente deseja praticar exercícios físicos. Isso significa que, hoje, vender uma bermuda casual qualquer ou uma cadeira de praia não faz mais tanto sentido. O cliente que não quer suar a camisa não é prioridade.

Conhecido por ser um chefe de diálogo constante, Burel se adequa bem às práticas atípicas que marcam a gestão da Decathlon. Não só no varejo, mas no mundo corporativo como um todo, são raros os casos em que o alto escalão vivencia, de fato, o que acontece na ponta, no chão da loja. Na Decathlon ocorre o contrário. Os principais membros do conselho de administração atuam também como gestores diretos dos diretores de loja. Burel, por exemplo, é chefe direto do responsável pela unidade do Morumbi. Ele atua como uma espécie de coach de gestão, fornecendo dicas que vão desde o atendimento ao cliente até o posicionamento dos produtos na prateleira. O objetivo é estar perto do dia a dia do negócio. Assim, não se perde aquilo que, no futebol, é conhecido como “visão de jogo”. É pela mesma razão que o grupo mantém seu escritório sempre próximo a sua principal loja nos 30 países em que atua. A propósito, os funcionários que trabalhavam dentro da loja do Morumbi já se mudaram para os andares 5, 6 e 7 do Top Center Shopping, na Paulista, onde a companhia está erguendo sua nova unidade.

Outro marco na gestão da Decathlon é a política do zigue-zague, na qual funcionários podem sair de suas áreas para trabalhar em outros departamentos de acordo com seu plano de carreira. Há nove anos na empresa, o atual responsável pela categoria de montanhismo no Brasil, Evandro Bastos, por exemplo, já foi gerente de loja, comprador no setor de suprimentos e coordenador de compras. Seu próximo foco pode ser em alguma função voltada para gestão e recursos humanos ou até em outro país.

É um troca-troca condizente com o estilo da Decathlon. Para a companhia, todos, do topo à base, têm de saber para onde vai o negócio. Parece óbvio que seja assim em toda empresa. Mas não é. Em estudo feito pela consultoria FranklinCovey com funcionários de 150 empresas, apenas 15% disseram saber quais os principais objetivos das empresas onde trabalham. Na Decathlon, até o caixa sabe que a companhia quer ter cem lojas em dez anos. E qualquer funcionário tem acesso aos números que indicam quanto a loja vendeu em um dia e qual foi a participação de cada seção no total, via intranet e reuniões periódicas. Assim, compartilhando informações, gera-se engajamento.

Essa lógica de envolvimento com o negócio vai até o nível de desenvolvimento de produtos, e isso em todos os países. Quem desenha as roupas para pesca da marca Caperlan, uma das 22 marcas próprias que a Decathlon tem, são funcionários que, necessariamente, entendem de pesca. Eles estão baseados, inclusive, na região francesa de Landes, próximo às praias do Oceano Atlântico, onde há vida marinha em abundância. E não vale ter só conhecimento. Tem que ser praticante. O próprio Burel dá o exemplo. Faz natação, stand up paddle, kite surf, montanhismo… Há três meses, fez a travessia Petrópolis-Teresópolis com mais nove diretores para tratar dos planos da companhia.

Os detalhes do que foi discutido no alto das montanhas ele não conta. Mas a engenharia das novas lojas dá a pista. A unidade de 2.500 m² de Londrina, no Paraná, encolheu para 1.500 m² depois de uma reforma concluída em julho. A loja da Paulista está sendo construída no subsolo do shopping Top Center. E a companhia também estuda erguer lojas em mais de um nível. “A ordem é ser criativo com as construções”, diz Paulo Sanchez, diretor de expansão da Decathlon. “É preciso se adaptar aos espaços disponíveis para estar perto do consumidor.”

O maior teste dos franceses nesse sentido é a Decathlon City, um formato menor de loja existente na Espanha e na França. Enquanto uma loja comum da empresa tem entre 2.500 m² e 5.500 m², a City tem cerca de 300 m². Cabe bem, principalmente, dentro dos edifícios tombados pelo patrimônio histórico dos centros velhos da Europa. Considerando que a companhia sempre fez questão de oferecer uma grande variedade de itens ao consumidor, trata-se de uma mudança e tanto. Mas a ideia é que o ponto não só atenda aqueles clientes que precisam de uma raquete de tênis para amanhã como aqueles que compram um artigo pela internet e desejam retirá-lo na City mais próxima de casa.

Dizer que a Decathlon caminha só para a redução das lojas grandes, no entanto, não está totalmente correto. A “lojona” continua fazendo sentido dentro da estratégia de oferecer experiências ao consumidor. Poder subir na esteira ou na bicicleta e testá-la é algo que só um amplo espaço oferece. A da Paulista, cuja inauguração está prevista para o segundo semestre do ano que vem, irá além. A avenida fecha aos domingos para pedestres, ciclistas, skatistas e afins. A empresa já está de olho nessa pista de teste.

No fim, os modelos se complementam. E deixam clara a tentativa da empresa de ampliar de forma mais agressiva a sua atuação. Em seu mercado de origem, não restam dúvidas. A Decathlon domina o varejo de artigos esportivos na França, com 303 lojas. Seu crescimento, apoiado no controle total da cadeia de negócio (do design à logística), trouxe dificuldades aos lojistas independentes do setor. O grosso da mercadoria vendida na Decathlon sempre foi produzido por ela mesma. Algumas de suas marcas próprias já são, inclusive, referência dentro de suas categorias. A B’twin é líder mundial em bicicletas. Já vendeu 2,7 milhões de unidades em todo o mundo. E a Quechua, responsável pela maior parte do faturamento da Decathlon no Brasil, é nome frequente em mochilas, botas para trilha e casacos dos adeptos às atividades de montanhismo e aventura. A ideia da companhia é ter pelo menos uma marca própria para cada uma das 55 modalidades esportivas com as quais trabalha. Apesar de o desenvolvimento de artigos próprios exigir um alto investimento, a empresa consegue obter uma margem de lucro maior com os itens que assina do que com marcas de terceiros. De qualquer forma, para a conta fechar, só vendendo em larga escala. A Decathlon é conhecida pelos preços baixos. Por isso, volume importa – e muito.

Esse é o desafio dos franceses no Brasil. Vinte e uma lojas em um país com 26 estados e 207 milhões de habitantes é quase nada. E a concorrência não é assim tão fácil. Hoje, a mineira Centauro lidera o varejo físico de artigos esportivos no país, com 9,2% de participação na receita do setor, segundo a consultoria Euromonitor. A Decathlon vem em segundo lugar, com 2%. Já no mundo virtual, quem dá as cartas é a Netshoes, maior e-commerce do mercado de itens de esporte na América Latina. Superá-la mantendo uma política de não fazer propaganda, caso da Decathlon, será complicado.

Estar na Paulista, um outdoor ao vivo para qualquer marca, será o passo mais relevante para a companhia se tornar mais conhecida no país e tentar reverter esse quadro. Pode ser, quem sabe, o ponto definitivo para o Brasil deixar de ser um pontinho (1,6%, para ser mais exato) no faturamento global de 10 bilhões de euros da Decathlon.

FONTE: ÉPOCA Negócios

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